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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

REVOLTA DE 5 DE JULHO DE 1922 * Alzira Alves de Abreu

REVOLTA DE 5 DE JULHO DE 1922


Marco inicial das revoltas tenentistas que se estenderiam por toda a década de 1920 e culminariam na Revolução de 1930, o movimento foi um protesto contra a eleição de Artur Bernardes para a presidência da República em março de 1922, contra punições de militares e contra o fechamento do Clube Militar. No Rio de Janeiro, o levante irrompeu na Vila Militar e na Escola Militar do Realengo, e também no forte de Copacabana, cuja ocupação terminou na marcha dos 18 do Forte. A revolta envolveu também o contingente do Exército em Mato Grosso.

A CAMPANHA ELEITORAL E AS “CARTAS FALSAS”

A Revolta de 1922 ocorreu em uma conjuntura caracterizada por uma grande instabilidade política, quando apareceram de forma mais nítida as disputas e conflitos entre as oligarquias e o descontentamento dos militares e dos setores urbanos com a forma como era feito o encaminhamento das questões políticas. A cisão política que marcou a sucessão de Epitácio Pessoa na presidência da República em 1922 foi influenciada, em parte, pela disputa entre os estados de Minas Gerais e São Paulo, grandes produtores de café, e os estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, além do Distrito Federal, que não estavam diretamente ligados à cafeicultura e se sentiam prejudicados pela política de desvalorização cambial e de endividamento externo destinada a garantir a valorização do preço do café.

Os anos 1920 assistiram também ao início de um processo de industrialização e urbanização importante, que teve como consequência a pressão das camadas urbanas para garantir uma participação política correspondente à sua posição social, o que as levou muitas vezes a se aliar a facções oligárquicas. Por outro lado, as primeiras manifestações políticas das massas urbanas também colocaram para as elites o problema das relações de dominação nas cidades.

A campanha sucessória, naquela fase da vida brasileira, era o acontecimento político mais

importante. A rebeldia oligárquica e a rebeldia militar combinaram-se então de modo evidente. Do lado militar, a luta foi travada em defesa da dignidade e da honra das forças armadas, ofendidas pelo civilismo de Epitácio Pessoa, que em seu governo nomeara civis para as pastas militares e recusara o aumento dos soldos, e principalmente pela publicação das chamadas “cartas falsas”. Do lado oligárquico, os setores não ligados ao café manifestavam o desejo de maior participação nas decisões e acesso ao poder. A campanha se desenvolveu dentro de um clima de grande disputa e violência.

A candidatura oficial, do mineiro Artur Bernardes, teve o apoio do Partido Republicano Mineiro (PRM) e do Partido Republicano Paulista (PRP). Contra a candidatura Bernardes levantou-se o Rio Grande do Sul, com Borges de Medeiros, denunciando o arranjo político como uma forma de garantir recursos para os esquemas de valorização do café, quando o país necessitava de finanças equilibradas. Borges de Medeiros decidiu apoiar a candidatura do fluminense Nilo Peçanha à presidência e do baiano José Joaquim Seabra à vice- presidência. Formou-se assim, em junho de 1921, o movimento da Reação Republicana. Um mês antes, em maio de 1921, o marechal Hermes da Fonseca fora escolhido presidente do Clube Militar. Havia também uma tentativa de lançar o nome de um militar para a presidência da República – que seria o próprio marechal Hermes. Foi com o objetivo de incompatibilizar a candidatura de Bernardes com a oficialidade que estourou o escândalo das “cartas falsas”.

Em outubro de 1921, apareceu estampada em fac-simile, no jornal carioca Correio da Manhã, a primeira carta, datada de 3 de junho. Com a suposta assinatura de Bernardes, e dirigida ao senador Raul Soares, a carta se referia ao marechal Hermes da Fonseca como “esse sargentão sem compostura”, e ao banquete em que sua candidatura à presidência fora lançada por oficiais como uma “orgia”. Sempre se referindo aos militares, dizia o texto que “essa canalha precisa de uma reprimenda para entrar na disciplina” e prosseguia: “Veja se o Epitácio mostra sua apregoada energia, punindo severamente esses ousados, prendendo os que saíram da disciplina e removendo para bem longe esses generais anarquizadores. Se o Epitácio com medo não atender, use de diplomacia, que depois do meu reconhecimento ajustaremos contas. A situação não admite contemporizações, os que forem venais, que é quase a totalidade, compre-os com todos os seus bordados e galões”. No dia seguinte, mais uma carta foi publicada pelo Correio da Manhã, datada de 6 de junho, referindo-se a uma prorrogação da Convenção, “porque ela devia ter sido realizada antes da chegada do Nilo, pois como V. disse, esse ‘moleque é capaz de tudo’. Remova toda dificuldade como bem entender, não olhando despesas, o que já fiz ver ao João Luís”.

Em torno das cartas passou a girar todo o noticiário da imprensa, e em todo o país foi desencadeada enorme agitação política. O escândalo que elas provocaram expressava a desaprovação de setores da sociedade à política praticada pelo governo. Bernardes negou veementemente a autoria das cartas. Nos dias seguintes à publicação, o Clube Militar se reuniu e declarou falsa a primeira carta, que dizia respeito à corporação. O próprio Hermes da Fonseca manifestou essa opinião. Mas a publicação das cartas desencadeou uma forte reação dentro dos quartéis. Os oficiais, principalmente jovens – chamados de modo geral de “tenentes” –, tornaram-se favoráveis a um golpe, caso Bernardes fosse eleito. Em 3 de fevereiro de 1922, Oldemar Lacerda, em carta aos diretores do Clube Militar, confessou a falsificação da assinatura de Bernardes nas cartas. Essa confissão não foi divulgada pelo Clube Militar.

Apesar das “cartas falsas”, e de toda a celeuma que elas provocaram, as máquinas dos partidos republicanos funcionaram bem na eleição de 1° de março de 1922, dando a vitória a Bernardes. Dois meses depois, em maio, a interferência do governo federal na eleição do presidente de Pernambuco, utilizando tropas do Exército para favorecer o candidato apoiado por familiares de Epitácio Pessoa, provocou um telegrama de protesto do marechal Hermes da Fonseca. A prisão domiciliar do marechal e o fechamento do Clube Militar, decretados no início de julho, aumentaram a agitação nos meios oposicionistas, particularmente entre os militares, e foram o estopim para o levante de 5 de julho.

A REVOLTA

A insurreição teve início na Vila Militar, na noite de 4 para 5 de julho de 1922. Concomitantemente, eclodiu na Escola Militar do Realengo, no forte do Vigia, situado no bairro do Leme, e no forte de Copacabana. Aí contou com a participação, entre outros, do capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho do marechal Hermes da Fonseca, dos tenentes Siqueira Campos, Eduardo Gomes, Newton Prado e Mário Carpenter. O total de revoltosos chegou a 301. Os rebeldes bombardearam vários objetivos militares, entre eles o Quartel- General e o Arsenal de Marinha, forçando a transferência do comando militar e do Ministério da Guerra. Entretanto, após breves combates, as forças do governo dominaram a sublevação, controlando todos os focos da rebelião, com exceção do forte de Copacabana. Diante desse quadro, o capitão Euclides Hermes da Fonseca franqueou a saída aos combatentes que desejassem abandonar o forte, o que foi feito por cerca de 270 homens.

No dia 6 os combates prosseguiram e, quando Euclides deixou o forte para parlamentar com o ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, foi preso por ordem de Epitácio Pessoa. Prevendo essa possibilidade, Euclides havia instruído seu substituto no comando do forte, o tenente Siqueira Campos, no sentido de que bombardeasse a cidade caso ele não voltasse em duas horas. O próprio Euclides, uma vez preso, fez gestões junto a Siqueira Campos no sentido de que a ameaça não fosse cumprida, mas quando Siqueira foi informado de que Epitácio Pessoa exigia a rendição incondicional, rompeu as negociações. Epitácio ordenou então que o forte fosse cercado por terra, mar e ar.

Contrapondo-se à sugestão de Siqueira Campos de que fosse explodido o paiol de pólvora do forte, Eduardo Gomes propôs a saída dos rebeldes para a rua e o combate corpo a corpo com as forças do governo, o que foi feito. Siqueira Campos dividiu então em 18 pedaços a bandeira nacional, entregou um a cada revoltoso remanescente e guardou consigo o destinado a Euclides. Munidos de fuzis e revólveres, os rebeldes marcharam pela praia de Copacabana, recebendo no caminho a adesão de um civil, Otávio Correia, a quem foi entregue armamento e o pedaço da bandeira separado para Euclides. Liderado pelos tenentes Siqueira Campos, Eduardo Gomes, Mário Carpenter e Newton Prado, o grupo enfrentou as tropas do 2º Batalhão do 3° Regimento de Infantaria durante aproximadamente uma hora e 15 minutos. Desse combate resultou a morte dos rebeldes Mário Carpenter, Newton Prado, José Pinto de Oliveira, Pedro Ferreira de Melo e do civil Otávio Correia. Saíram feridos, entre outros, Siqueira Campos e Eduardo Gomes.

O episódio passou para a história com o nome de “Os 18 do Forte”. O número de combatentes que participaram da marcha teria sido na verdade 11 e não 18. Eduardo Gomes, anos mais tarde, afirmaria haverem sido 13 os combatentes.

O tenentismo, que então ganhou impulso, foi um dos principais agentes históricos responsáveis pelo colapso da Primeira República.

Alzira Alves de Abreu

FONTES: ABREU, A. Dicionário; FAUSTO, B. Trabalho; FERREIRA, M. Reação (v. 6, p.9-23); FERREIRA, M. República; FORJAZ, M. Tenentismo; FORJAZ, M. Tenentismo e política; FRITSCH, W. 1922; MARTINS, L. Pouvoir; SILVA, H.; CARNEIRO, M. Primeiro; VISCARDI, C. Teatro.

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